Dunharrow

Escrito por Olórin. Publicado em Locais & Construções

Uma das passagens mais impressionantes no LoTR ocorre no capítulo III do Regresso do Rei – A Concentração de Rohan. Tolkien introduz um dos seus numerosos inigmas ao permitir ao leitor seguir o trajecto de Merry através de Rohan até ao refúgio de Dunharrow (Dun-harug – Santuário da colina). Esta passagem contém uma das poucas descrições dos Rohirrim nas suas terras, sem ser a cavalgar para a batalha. Mas Tolkien usa as imagens para desviar a atenção do leitor dos Rohirrim com o objectivo de a fixar na grande montanha onde Théoden ordenou a Éowyn que preparasse a concentração dos cavaleiros de Rohan:

"A estrada seguia para leste e a direito através do vale, que naquele ponto pouco mais tinha que 800 metros de largura. Viam-se por toda a parte planícies e prados de erva grossa, que o cair da noite acinzentava, mas em frente, do lado oposto do vale, Merry viu um paredão ameaçador, vestígio derradeiro das grandes raízes do Corno Nu, fendido por um rio em eras passadas."

A atenção de Merry é desviada momentaneamente para o exército de cavaleiros, mas como ele não conseguia ver grande coisas devido à escuridão cada vez maior e concentra-se, de novo, na estrada à sua frente:

"Enquanto olhava, curioso, de um lado para o outro, o grupo do rei chegou à base do alto penhasco do lado oriental do vale. O caminho começou subitamente a subir, e o hobbit olhou para cima, aravilhado. Percorria uma estrada como nunca vira igual, uma grande obra saída de mãos de homens em anos longínquos, de que nem as tradições falavam. Subia a ziguezaguear como uma serpente, abrindo o seu caminho através da alcantilada e rochosa encosta. Íngreme como uma escada, subia em caracol, para trás e para a frente. Os cavalos podiam subi-la a passo e era possível puxar lentamente os carros; mas nenhum inimigo conseguiria passar por aquele caminho, a não ser que viesse do ar, se o defendessem lá de cima. A cada curva da estrada havia grandes pedras que tinham sido esculpidas à semelhança de homens, enormes e de membros toscos, acocorados de pernas cruzadas e com os braços informes apoiados no ventre gordo. Alguns, com o desgaste dos anos, tinham perdido todas as feições menos nos buracos escuros dos olhos, que ainda fitavam tristemente os que passavam. Mas os Cavaleiros mal os olhavam. Chamavam-lhes os «homens de Púkel» e ligavam-lhes pouca importância: já não possuíam o poder de aterrorizar. Merry, contudo, olhava-os com espanto e quase piedade, ao vê-los surgir melancolicamente no crepúsculo.

Passado um bocado , olhou para trás e verificou que já subira algumas dezenas de metros acima do vale, mas lá muito em baixo ainda distinguia vagamente uma fila sinuosa de Cavaleiros que atravessavam o vau e metiam pela estrada a caminho do acampamento para eles preparado. Só o rei e a sua guarda subiam à Fortaleza.

Por fim, o grupo do rei chegou inesperadamente a uma berma, a estrada mais íngreme passou por uma abertura entre paredes de rocha, subiu mais uma pequena encosta e desembocou num campo largo. Os homens chamavam-lhe o «Firienfeld», e era um campo verde de erva e urze, muito acima dos sulcos profundos abertos pelo córrego de Neve e como que depositado no regaço das grandes montanhas que ficavam atrás: o Corno Nu, a sul, e a norte a mole denteada de Irensaga, entre os quais se deparava aos cavaleiros a parede negra e severa da Dwimoberg, a Montanha Assombrada, que se erguia de alcantiladas encostas revestidas de pinheiros escuros. Dividia o planalto em dois, uma fila dupla de pedras erectas não desbastadas que se iam perdendo no crepúsculo até desaparecerem no meio das árvores. Os que ousavam ir por esse caminho não tardavam a chegar ao negro Bosque Sombrio, sob a Dwimoberg, à ameaça do pilar de pedra e à sombra hiante da porta proibida.

Era assim o escuro Dunharrow, obra de homens havia muito esquecidos. O seu nome perdera-se e não havia canção ou lenda que os recordasse. Ninguém sabia para que fim tinham construído aquele lugar, se para cidade, templo secreto ou túmulo de reis. Ali tinham mourejado nos Anos Negros, antes de um barco ter sequer chegado às costas ocidentais ou de Gondor, dos Dúnedain, ter sido construída. E agora tinham desaparecido e só restavam os velhos homens de Púkel, ainda acocorados nas curvas da estrada.

Merry olhou para as filas de pedras. Estavam gastas e pretas, algumas inclinadas ou caídas e outras rachadas ou partidas. Lembravam fileiras de dentes velhos e assanhados. Perguntou a si mesmo o que seriam, e desejou que o rei não fosse segui-las e penetrar nas trevas que se lhes seguiam. Depois reparou que, de ambos os lados do caminho pedregoso, havia grupos de tendas e barracas. Estas não se erguiam, porém, junto às árvores, e ante pareciam, até, querer afastar-se delas e aninhar-se na direcção da beira do penhasco. O maior número ficava do lado direito, onde o Firienfeld era mais largo; do lado esquerdo havia um acampamento mais pequeno, no meio do qual se erguia um pavilhão alto."

Podemos seguir o caminho que Merry não percorreu lendo a passagem que descreve o percurso de Aragorn através de Dunharrow no capítulo II – A Passagem da Companhia Cinzenta:

"A luz continuava cinzenta enquanto cavalgavam, pois o sol ainda não ultrapassara as cristas negras da Montanha Assombrada, à sua frente. Apoderou-se deles um temor, ao passarem entre as fiadas de pedras antigas e chegarem, por fim, ao Bosque Sombrio. Aí, sob o negrume das árvores pretas que nem Legolas conseguia suportar muito tempo, encontraram um espaço aberto na raiz da montanha e, atravessada no seu caminho, uma única e enorme pedra, como um dedo do destino.

- Gela-se-me o sangue – disse Gimli, mas os outros permaneceram calados, e foi como se a sua voz caísse, morta, nas húmidas agulhas dos abetos, a seus pés.

- Os cavalos recusaram-se a passar pela pedra ameaçadora enquanto os cavaleiros não desmontaram e os não conduziram pela rédea. Assim penetraram finalmente no estreito vale e se lhes deparou uma parede de rocha a pique, na qual se escancarava a Porta Negra, como a boca da noite. Por cima do seu largo arco estavam gravados sinais e figuras, tão apagados que era impossível decifrá-los, e o medo emanava dela como um vapor cinzento.

Dunharrow foi, segundo alguns, construída pelos Druedain, de quem se fala nos Contos Inacabados, e segundo outros, Dunharrow foi construída pelos homens que expulsaram os Druedain das Montanhas Brancas, os homens que mais tarde habitaram Enedwaith e Minhiriath. Eram os Gwathuirrim, antepassados dos Dunlendings, os homens de Bree e muito do povo de Gondor também. Mas a verdade, provavelmente, assenta numa sucessão de habitantes e construtores.

Os homens de Púkel foram, sem dúvida, esculpidos pelos primeiros Druedain, talvez até nas 1ª Era do Sol, apesar de não parecer muito provável. Como as estátuas estão posicionadas numa estrada cuidadosamente construída, as estátuas devia ter sido construídas para guardar o caminho para uma antiga fortaleza dos Druedain. Tal protecção apenas se justifica se existiam inimigos, ou potenciais inimigos a viver a norte de Ered Nimrais. E no entanto Tolkien escreveu que unharrow foi construída "antes de um barco ter sequer chegado às costas ocidentais", uma referência (provavelmente) ao regresso dos Dunedain à Terra Média, embora também se possa referir à grande frota proveniente de Valinor.

Nós sabemos que os Dunedain regressaram à TM no ano 600 da 2ª Era e que durante os dias de Aldarion (como rei) existiam Gwathuirrim com semelhanças da raça dos Dunlending a viver ao longo das costas do Gwathló (isto cerca do 9º século, menos de 300 anos após Vëantur ter chegado a Lindon). É então possível que um enclave de Druedain continuasse a sobreviver em Ered Nimrais após as tribos de Dunlendings expulsarem outros Druedain para fora das montanhas.

Mas os Druedain de Dunharrow não podiam resistir para sempre, mesmo naquele poderoso refúgio. Eles devem ter perecido, mortos em combate ou de fome, ou fugiram por fim para se juntarem aos seus semelhantes a ocidente (em Druwaith Iaur em Andrast), a norte (nos pântanos ao longo das costas de Enedwaith), ou a oriente (na floresta do Druadan em Anorien). Há evidências de que os Gwathuirrim habitaram em Dunharrow, e provavelmente eles eram membros da tribo que mais tarde ficou conhecida como "Os Mortos". As pedras que Aragorn e Merry viram, que não foram esculpidas, parecem representar uma forma de arte menos desenvolvida. No entanto nós sabemos pelas histórias acerca dos primeiros Druedain que eles eram hábeis na arte de esculpir pedra, logo, eles não teriam sido os responsáveis por este monumentos em forma de menír. Eles devem ter sido colocados pelos Gwathuirrim.

As inscrições que existiam no arco por cima da Porta Negra implicam que alguém, para além dos Druedain, esteve implicado na sua construção. Pode ser que a tribo dos Gwathuirrim tivesse capacidade para escrever e tivesse esculpido algo por cima da porta. Ou pode ter sido mão Numenoreana a esculpir as inscrições que Aragorn e os seus companheiros viram mas que já não conseguiam ler devido ao desgaste. Pode parecer menos provável que tenham sido os Numenoreanos a fazer as inscrições mas Théoden parece descrever um homem de ascendência Numenoreana quando conta a Merry a lenda da Porta Negra:

"Diz-se que, quando os Eorlings vieram do Norte e subiram por fim o córrego de Neve à procura de redutos onde pudessem refugiar-se em épocas de necessidade, Brego e o seu filho Baldor subiram a escada da Fortaleza e chegaram diante da Porta. No limiar estava sentado um velho de idade incalculável. Fora alto e majestoso, mas encontrava-se mirrado e carcomido como pedra velha. Na realidade, por pedra o tomaram, até, pois não se mexeu nem proferiu palavra enquanto não tentaram passar por ele e entrar. Então saiu dele uma voz, como se viesse do solo, e para espanto deles falou na língua ocidental: [i]O caminho está fechado[/i]."

Este assunto apresenta-se cheio de questões e inigmas. Dunharrow já tinha enterrado e esquecido guerras e pessoas quando os Rohirrim se estabeleceram na região. Podemos tentar adivinhar que tragédia portentosas aconteceram por lá, e que dias de glória e prazer sentiram os Druedain, Gwathuirrim, e talvez outros povos que possam ter habitado aquela região.

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