As Argonath

Escrito por Olórin. Publicado em Locais & Construções

Uma das mais impressionantes e majestosas passagens do Senhor dos Anéis ocorre quando a Irmandade do Anel desce o Anduin nos barcos cedidos por Celeborn. A Irmandade passou vários dias no rio e finalmente chega a "vales pedregosos, entre pântanos altos" (é assim que Celeborn descreve a região).
A paisagem ia mudando gradualmente à medida que iam descendo o rio e, "os aterros começaram a tornar-se altos e pedregosos. Não tardaram a passar por uma região acidentada e rochosa , tendo em ambas as margens encostas íngremes, revestidas de densas moitas de abrunheiros e espinheiros, de mistura com silvas e trepadeiras. Atrás deles erguiam-se penhascos baixos e a esboroar-se e chaminés de pedra cinzenta e gasta, que a hera enegrecia. Mais atrás, ainda, erguiam-se serranias altas, coroadas de abetos torturados pelo vento. Estavam a aproximar-se da cinzenta região montanhosa do Emyn Muil, a marca meridional da Terra Erma". Chegou então o momento em que a Irmandade se aproxima de uma das mais belas obras da Terra Média, e esse momento Tolkien descreve da seguinte forma:

"Mas a chuva não durou muito. Pouco a pouco, o céu foi-se tornando mais claro e, de súbito, as nuvens separaram-se a as suas pontas esfarrapadas afastaram-se para norte, pelo rio acima. O nevoeiro e a neblina também tinham acabado. À frente dos viajantes estendia-se um largo barranco com grandes paredes rochosas às quais se agarravam, em socalcos e fendas estreitas, algumas árvores enfezadas. O canal do rio tornou-se mais estreito e a corrente mais rápida. O grupo avançava a gora com pouca esperança de parar ou voltar para trás, fosse o que fosse que encontrasse à sua frente. Em cima deles tinham uma faixa de céu azul-claro, à sua volta o rio escuro e sombrio e à sua frente, negros e ocultando o Sol, os montes de Emyn Muil, nos quais não distinguiam nenhuma abertura.
Frodo, que olhava em frente com atenção, viu ao longe duas grandes rochas que se aproximavam e pareciam enormes pináculos ou colunas de pedra. Erguiam-se, uma de cada lado do rio, altas, a pique e assustadoras. Havia entre elas uma estreita abertura, para a qual o rio arrastava os barcos."

São tantos os pormenores dados ao leitor nestes dois parágrafos. A paisagem mudou e tornou-se opressiva, quase ameaçadora. Os viajantes são colocados face a uma situação que, virtualmente, não tem regresso. Estavam a entrar numa região onde um grande poder, em tempos, colocou a sua mão sobre o mundo, e o poder de Gondor, em tempos, estendeu-se até aqui. Nós somos conduzidos, juntamente com os companheiros, através deste maravilhoso caminho que convidava Aragorn, o Herdeiro de Isildur, a regressar a casa:

"- Olhem as Argonath, as Colunas dos Reis! - exclamou Aragorn. - Transpô-las-emos em breve. Mantenham os barcos em fila e o mais distanciados uns dos outros que puderem! Não saiam do meio da corrente!"

De forma subtil, Tolkien parece estar a revelar-nos algo acerca da verdadeira majestade e autoridade de Aragorn. Ele é um Ranger e um Guerreiro, mas também é um filho de Reis que vem para reclamar aquilo que é seu por direito, para defender o seu povo, no sul, contra o exército de Sauron. Nas fronteiras do antigo reino de Gondor Aragorn assume uma autoridade que Boromir, o filho do Mordomo de Gondor, nunca tentou assumir. Este é O momento em que Aragorn entra em Gondor, não numa condição de mero aventureiro ou viajante mas sim numa condição superior. Aragorn não deixa duvidas acerca de quem ele julga que é, enquanto os Hobbits, atónitos, tentam recuperar do choque que se seguiu após a sua primeira vivência/percepção do poder e majestade dos Dúnedain da Terra Média:

"Frodo teve a sensação de que , à medida que era arrastado para elas, as grandes colunas se erguiam como torres, para o receberem. Lembravam-lhe gigantes, enormes figuras cinzentas, silenciosas, mas ameaçadoras. Depois viu, finalmente, que tinham sido esculpidas e afeiçoadas: a arte e a força de antanho tinham trabalhado nelas e, apesar do sol e da chuva e inúmeros e esquecidos anos, ainda conservavam as feições em que tinham sido esculpidas. Sobre enormes pedestais alicerçados na água funda erguiam-se dois grandes reis de pedra, que continuavam a olhar para o Norte de olhos turvos e fronte enrugada. A mão esquerda de cada um deles erguia-se, de palma para fora, num gesto de advertência; a direita empunhava um machado, e cada cabeça ostentava um capacete e uma coroa em desintegração. Ainda irradiavam grande força e majestade, sentinelas silenciosas de um reino havia muito desaparecido. Frodo sentiu-se invadido por uma sensação de respeito e temor e encolheu-se e fechou os olhos, não ousando olhar para cima enquanto o barco se aproximava. Até Boromir inclinou a cabeça quando os barcos passaram, frágeis e a deslizar como pequenas folhas, sob a sombra duradoura das sentinelas de Númenor. Assim passaram pela brecha negra das Portas.
Os assustadores penhascos erguiam-se de ambos os lados, abruptos e de uma altura incalculável. O céu, de uma cor indistinta, ficava muito longe. As águas negras rugiam e ecoavam e o vento uivava por cima delas. Frodo, encolhido e inclinado para os joelhos, ouviu Sam murmurar, como se gemesse:
- Que lugar! Que horrível lugar! Esperem que saia deste barco, e juro que nunca mais molharei os dedos dos pés numa poça, quanto mais num rio!"

Talvez Sam esteja a expressar os sentimentos que todos os Hobbits deviam sentir acerca do assunto e a dar um tempo ao leitor de decidir qual a sua reacção ao aparecimento de tais imponentes obras. O esplendor e o terror das Argonath é pobremente retratado por escrito mas Tolkien tinha algo mais a dizer acerca das construções numa de suas cartas, escrita em Outubro de 1958 e dirigida a Rhona Beare:

"Os Numenorianos de Gondor eram orgulhosos, peculiares, e arcaicos e são facilmente descritos quando os comparamos com os Egípcios. Em muitos aspectos os Numenorianos se pareciam com os Egípcios - o amor por e o poder para construir coisas gigantescas e massivas. E no seu grande interesse pela tradição e por túmulos... Eu acho que a coroa de Gondor era muito alta, como a que alguns faraós usavam mas com asas incorporadas, não colocadas totalmente para trás mas sim com uma certa angulação."

Os Egípcios criaram também estátuas desta envergadura. O tamanho imenso destas construções, apesar de Tolkien nunca as ter visto ao vivo, pode ter sido um factor inspirador para Tolkien.
Tal como os Egípcios, os Numenorianos de Gondor construíram "outras obras fortes e maravilhosas... nos dias do auge do seu poder, nas Argonath e em Aglarond, e em Erech; e no círculo de Angrenost, que os Homens chamaram Isengard, construíram o Pináculo de Orthanc de pedra inquebrável."
As Argonath não foram construídas por Isildur e Anárion, foram construídas por Minalcar (Romendácil II - regente entre 1240 e 1304) após a Guerra contra os Easterlings em 1248, na entrada de Nen Hithoel - o grande lago que precedia as Quedas de Rauros. Tolkien diz-nos que Minalcar "fortificou a margem ocidental do Anduin até ao influxo do Limlight e proibiu aos estrangeiros a descida do rio para lá das Emyn Muil. Foi ele quem mandou construir as colunas do Argonath...". Isto parece um pouco severo de mais mas não me parece que os "estrangeiros" fossem de sangue Edain. Aliás, é dito no HoME - Povos da Terra Média que outros Homens se tinham fixado nos vales do Anduin:

"A vaga tradição preservada pelos Hobbits do Shire era a de que eles tinham morado, em tempos, nas terras das margens do Grande Rio, mas que havia muito tempo que as tinham deixado, e passaram pelos caminhos que atravessavam as altas montanhas, ou que as rodeavam, devido à falta de segurança nas suas casas devido à proliferação do Povo Grande e de uma sombra de medo que se abateu sobre a Floresta. Isto reflecte, evidentemente, os problemas de Gondor no início da 3ª Era. O aumento no número de homens não era devido ao aumento do número daqueles com quem o povo de Gondor vivia em harmonia, mas sim devido ao aumento do numero de invasores de Este, e mais tarde de Sul... ocupando a Floresta e... os vales do Anduin..."

Os primeiros Hobbits entraram em Eriador por volta do ano 1050, e só passados 200 anos Gondor lidou com os Easterlings, empurrando-os de novo para Rhun. Onde se queria chegar com isto tudo era que até Minalcar não podia irradicar completamente os Easterlings entre Anduin e Rhunaer. Alguns devem ter sobrevivido na parte Sul de Mirkwood, perto de Dol Guldur, que não era suficientemente forte para ameaçar Gondor mas que apesar de tudo poderia juntar uma força considerável de Easterlings que poderiam viajar ao longo do rio. As fortificações da margem ocidental do rio Anduin ganham então um propósito e fazem todo o sentido.
Posicionadas a Sul das fortificações do Anduin, as Argonath não deviam ser utilizadas para impedir a passagem de estrangeiros. Elas simbolizavam o grande poder com que os estrangeiros do Norte se iriam deparar caso se aventurassem mais a sul sem um convite ou autorização.
Por tudo isto, não deve ser surpresa o facto de Aragorn ao passar entre as Argonath não ter sentido o medo, o temor que os outros exibiam. Apesar de Gondor já não ter o poder de antigamente, ainda é conservada a sua memória, e esse poder foi parte da sua herança. As Argonath eram então, uma parte da sua herança, e ele passa por elas "altivo e recto... Tinha o capuz atirado para trás, o vento agitava-lhe o cabelo escuro e brilhava uma luz nos seus olhos - era um rei que regressava do exílio à sua pátria."

 

Argonath 1

Argonath 2

Argonath 3

Argonath 4

Argonath 5

Argonath 6

Argonath 7


Este artigo foi escrito por Olórin