O Caminho dos Mortos

Escrito por Gwen. Publicado em Locais & Construções

Nas Ered Nimrais, as Montanhas Brancas, ficava o refúgio fortificado de Dunharrow,
fortaleza dos Rohirrim, com acesso por uma estrada íngreme e sinuosa, onde em cada curva estavam colocadas as estátuas chamadas Homens de Púkel. Assim se chegava ao “Firienfeld”, um campo largo e verde de erva e urze, e onde se erguiam grandes montanhas: o Corno Nu, a Sul, e a Norte a mole denteada de Irensaga, entre os quais se deparava a parede negra e severa de Dwimoberg, a Montanha Assombrada, que se erguia de alcantinadas encostas revestidas de pinheiros escuros. Assim era o escuro Dunharrow, obra de homens havia muito esquecidos. Dividindo o planalto em dois, havia uma fila dupla de pedras erectas, antigas e gastas, que desapareciam no meio das árvores. Os que ousavam seguir por esse caminho não tardavam a chegar ao Bosque Sombrio, sob o negrume das suas árvores pretas e encontravam um espaço aberto na raiz da Dwimoberg, onde se encontrava uma única e enorme pedra, como um dedo do destino. Passando essa pedra, chegava-se a um estreito vale onde se deparava uma parede de rocha a pique, na qual se escancarava a Porta Negra, como a boca da noite. Por cima do seu largo arco estavam gravados sinais e figuras, tão apagados que era impossível decifrá-los, e o medo emanava dessa porta como um vapor cinzento.

Foi este o caminho que a Companhia Cinzenta, comandada por Aragorn, percorreu, para atravessarem o Caminho dos Mortos! Mas o que os levou até um tão negro caminho?

Depois do afundamento de Númenor, Elendil e os seus filhos fundaram os reinos no exílio de Arnor e Gondor, em 3320 da 2ª Era. Muitos dos Homens das terras próximas acolheram de bom grado os numenoreanos, pois já os conheciam das suas viagens à Terra Média; e embora a sua tradição e as suas artes fossem apenas um eco do que tinham sido antes de Sauron chegar a Númenor, mesmo assim, grandes pareceram a esses homens e muitas tribos fizeram um juramento a Isildur, prometendo fidelidade e ajuda mútua em caso de perigo.

Foi o caso dos Eredrim, um povo que vivia nas Montanhas, junto à grande pedra de Erech. Essa pedra foi trazida por Isildur no seu barco, de Númenor. Era um globo negro, enorme, tão liso quanto vidro, e de aparência extremamente pesada. Estava meio enterrado no solo, mas mesmo assim era tão alto como um homem. Pensa-se que em tempos tinha estado no tribunal do palácio em Romena, e Isildur, que sempre se sentira atraído por esse enorme globo negro, salvou-o da destruição da ilha, colocando-o depois sobre a colina de Erech, como um símbolo do poder e da amizade de Gondor para com os povos dessa terra. Foi junto à Pedra de Erech que o Rei das Montanhas jurou fidelidade a Isildur no princípio do reino de Gondor. Mas Sauron regressou e voltou a tornar-se poderoso, e Homens e Elfos formaram a Última Aliança para o derrotarem. Isildur pediu então a todas as tribos que lhe tinham jurado fidelidade que se juntassem a eles, na luta contra o Senhor Negro; mas os Eredrim tinham adorado Sauron nos Anos Negros e recusaram dar o seu auxílio.

Então, Isildur, junto à Pedra de Erech, onde o Rei das Montanhas lhe tinha feito o juramento, disse:
“Serás o último rei. E se o Ocidente provar que é mais forte do que o teu negro amo, esta maldição lanço sobre ti e o teu povo: não tereis descanso enquanto não cumprirdes o jurado. Pois esta guerra durará anos incontáveis e voltarás a ser chamado antes do fim.”

E eles fugiram da cólera de Isildur, não se atrevendo a voltar para a guerra ao lado de Sauron; esconderam-se em grandes cavernas e grutas secretas nas montanhas, e os campos foram abandonados e tornaram-se áridos e estéreis! Foram sempre diminuindo, as suas crianças enfraquendo, e acabaram todos por passar para as sombras, vagueando por lugares profundos sob a terra, pois nem a morte os desobrigava de cumprirem o Juramento! As suas acções e os seus nomes foram esquecidos por todos, apesar do terror dos Mortos sem Descanso pairar sobre o Monte de Erech e sobre todos os lugares onde esse povo viveu.

No tempo do rei Arvedui, 1500 anos depois, Malbeth, o Vidente, fez a profecia de que um dia o herdeiro de Isildur passaria a porta do Caminho dos Mortos e chamaria as pessoas esquecidas; essa profecia não foi esquecida por Elrond, Mestre de Tradição, e os seus versos eram conhecidos em Rivendell.

"Sobre a terra cai comprida a sombra
Que para ocidente estende asas de trevas
A Torre treme; do túmulo dos reis acerca-se
O momento final. Os Mortos acordam
Pois é chegada a hora dos perjuros:
Na Pedra de Erech se erguerão de novo
E ouvirão uma trompa ecoar nos montes
De quem será a trompa? Quem chamará
Do crepúsculo cinzento as pessoas esquecidas?
O herdeiro daquele a quem juramento prestaram
Do Norte virá, impelido pela necessidade:
Transporá a Porta dos Caminhos dos Mortos."

Quando os Rohirrim se instalaram em Edoras e subiram a Dunharrow, à procura de redutos onde se pudessem refugiar em épocas de necessidade, Brego e o seu filho Baldor subiram a Escada da Fortaleza e chegaram diante da Porta Negra. No limiar estava sentado um velho de idade incalculável, que lhes disse: “O caminho está fechado. Foi feito por aqueles que estão mortos, e os Mortos guardam-no, até chegar o momento.” E depois morreu. Voltaram para trás, mas na festa de inauguração do palácio de Medused, em 2570 de 3ª Era, Baldor jurou que percorria o Caminho dos Mortos, transpôs a Porta Proibida mas nunca regressou; e a partir daí mais ninguém se aventurou a entrar e desvendar os seus segredos. O povo dizia que os homens mortos dos Anos Negros guardavam o caminho e não consentiam que nenhum vivo penetrasse nas suas salas ocultas. Mas por vezes eles próprios eram vistos a transpor a Porta Negra como sombras e a descer a estrada rochosa, em épocas de grande agitação e morte iminente.

E assim se chega ao tempo da Guerra do Anel. Depois da vitória da Batalha do Forte da Trompa, os Rohirrim marcam uma concentração em Dunharrow, para depois partirem para auxiliar Minas Tirith; mas não chegarão lá antes de se passar uma semana. Aragorn, que tem em seu poder a palantír
de Orthanc, que Língua de Verme atirou pela janela, resolve desafiar Sauron, olhando pela pedra: dessa forma, ao revelar-se a ele como o herdeiro de Isildur, tenciona desviar a sua atenção de Mordor, de forma a dar uma hipótese a Frodo de cumprir a sua missão. Mas Aragorn, ao aprender a dominar a palantír, vê aproximar-se de Minas Tirith uma esquadra vinda de Umbar, que afastará grandes forças da defesa da cidade. Aragorn sabe que em Gondor não há forças que resistam a tantos ataques feitos simultaneamente; decide então envergar pelo Caminho dos Mortos, única forma de interceptar os corsários e arranjar um exército que se lhes oponha. Os filhos de Elrond, Elladan e Elrohir, que se juntaram a Aragorn em Rohan, também lhe trazem um recado do pai: “Os dias são curtos. Dizei a Aragorn que, se tem pressa, lembre-se das palavras do vidente e do Caminho dos Mortos”.

Assim Aragorn resolve seguir esse caminho, com os Dúnedain, os filhos de Elrond, Gimli e Legolas, que fazem questão em o acompanhar, partindo do Abismo do Elmo a grande velocidade, e chegando a Dunharrow no dia seguinte, onde param para dormir. Èowyn, ao saber qual o caminho que a Companhia Cinzenta vai seguir, tenta demovê-los, sem sucesso; pois no dia seguinte, penetram no Bosque Sombrio, sentindo um temor apoderar-se deles à medida que vão avançando pelas misteriosas pedras antigas. Ao chegarem junto à raiz da Montanha Assombrada, os cavalos assustam-se e têm de desmontar e conduzi-los pela rédea até à Porta Negra. Os seus corações estremecem ao vê-la e o medo emanava dela; mas Aragorn entrou resoluto, naquelas trevas, e todos o seguiram.

Não se conseguia ver nada, a não ser a chama fraca dos archotes; mas se o grupo parava, tinha a impressão de ouvir um infindável murmúrio de vozes a toda a sua volta e sentiam que uma multidão invisível os seguiam na escuridão. Chegaram por fim a uma larga caverna e, do outro lado, junto a uma porta de pedra, que estava bem fechada, via-se o cadáver de um homem. Estava caído junto à porta, os ossos dos dedos ainda se estendiam como garras para as fendas. A seu lado jazia uma espada esbocada e partida, como se no desespero final tivesse atacado a rocha com ela. Aquele era sem dúvida Baldor, que tentara atravessar o Caminho dos Mortos, e ali ficara preso. Aragorn lamenta o jovem morto, mas voltando-se para trás, para a escuridão sussurante, grita: “Conservai os vossos tesouros e os vossos segredos escondidos nos Anos Malditos! A única coisa que pedimos é rapidez. Deixai-nos passar e vinde depois! Convoco-vos para a Pedra de Erech!”

O silêncio era absoluto, mais assustador do que os murmúrios anteriores. Soprou uma rajada de vento frio, que apagou os archotes, e não foi possível acendê-los de novo. Mas a porta abriu-se e avançaram depressa, na mais completa escuridão, seguidos de um rumor como a sombra do som de muitos pés. Por fim ouviram o marulhar de água e passaram por outro portal, largo e de arco alto, vindo sair a um abismo fundo e estreito. Montaram de novo os cavalos e cavalgaram em fila; Legolas olhou para trás e viu vultos indistintos de homens e cavalos e compreendeu que os mortos os seguiam. Chegaram finalmente a uma ravina e ao vale de Morthond, onde moravam alguns homens, pois o vale era rico. As pessoas do povoado sentiram a presença dos Mortos e refugiam-se nas suas casas, aterradas. Aragorn diz aos amigos que esqueçam a fadiga, pois têm de estar junto à Pedra de Erech ainda nesse dia, e partem a galope; chegando lá pouco antes da meia-noite.

Ninguém se atrevia a aproximar-se ou viver nas imediações da Pedra de Erech, pois diziam que aquele era o ponto de encontro dos homens sombra, em épocas de medo, que se comprimiam à volta da pedra e murmuravam. Mas Aragorn dirigiu-se imediatamente para ela e com uma trompa de prata que Elrohir lhe entregara, soprou com força: e ouviram a resposta de muitas trompas, como se fossem ecos muito distantes, sentiram um vento gelado como o hálito de fantasmas descer das montanhas e tiveram consciência que uma grande hoste se concentrava à volta do monte. Então Aragorn, junto da pedra, desmontou e gritou:

“- Perjuros, porque viestes?”
“ – Viemos para cumprir o nosso juramento e ter paz” – respondeu uma voz da noite, vinda de muito longe.”
“Então Aragorn disse: - O momento chegou, finalmente. Agora irei para Pelargir no Anduin e vós seguir-me-eis. E quando esta terra estiver liberta dos servos de Sauron, considerarei o juramento cumprido e vós tereis paz e partireis para sempre, pois eu sou Elessar, herdeiro de Isildur de Gondor.”

Então, desenrolou o grande estandarte que Arwen tinha feito e descansaram algumas horas; mas ao alvorecer partiram, pois a vontade de Aragorn impelia-os a continuar, com a Hoste das Sombras a pressioná-los, silenciosos, mas com um fulgor no olhar. Cavalgaram noventa e três léguas, durante quase 5 dias, e ao chegarem a Linhir, viram os homens de Lamedon a disputar os vaus do rio Gilrain aos corsários de Umbar, que velejavam rio acima. Mas tanto defensores como atacantes abandonaram a batalha e fugiram ao verem aproximar-se a Hoste das Sombras, gritando que vinha aí o Rei dos Mortos. Só Angbor, senhor de Lamedon, teve coragem para aguardar, e Aragorn disse-lhe que reunisse a sua gente e os seguissem, pois em Pelargir iria precisar deles; e Angbor assim fez. Partiram a toda a velocidade, pois Aragorn pressentia que Minas Tirith estava a ser atacada, até que chegaram a Pelargir, onde se encontrava a frota principal de Umbar: uns cinquenta barcos grandes e incontáveis embarcações menores. Os corsários riram-se, quando olharam para a Companhia Cinzenta, pois eles tinham um grande exército, mas Aragorn parou e gritou: “Vinde agora! Pela Pedra Negra vos chamo!” e a Hoste das Sombras, que se mantivera na retaguarda, avançou submergindo tudo à sua passagem. Ouviram-se trompas a soar abafadamente, murmúrios de vozes distantes e pálidas espadas a serem desembainhadas, e avançaram para os barcos que estavam junto ao cais e foram pela água para os que estavam ancorados. Os corsários ficaram loucos de terror e saltavam pela borda fora; ou puseram-se em fuga, mas a maioria afogou-se ou foi apanhada pela Companhia Cinzenta. Só os escravos, que estavam acorrentados aos remos, ficaram nos barcos; mas Aragorn mandou um Dúnedain a cada barco para tranquilizar os cativos e dizer-lhes que estavam livres. No entanto, todos quiseram continuar ao serviço de Aragorn, que dispunha agora de uma grande frota; e aquele terrível inimigo, que ia atacar Minas Tirith, estava derrotado. Mandou soar trompas tomadas ao inimigo, e a Hoste das Sombras recuou para a margem e aguardou, ficando silenciosos, quase invisíveis; e Aragorn gritou:
“- Ouvi agora as palavras do herdeiro de Isildur. O vosso juramento está cumprido. Regressai e não volteis a perturbar os vales, nunca mais. Parti e ficai em paz!”

E o Rei dos Mortos colocou-se à frente da hoste, quebrou a lança e deitou-a fora. Depois inclinou-se, virou-se e num intante toda a hoste retirou e desapareceu como névoa soprada por um vento inesperado.

Aragorn e a Companhia Cinzenta ficaram uma noite em Pelargir, e muitos homens de Ethir, Lebennin e Lamedon juntaram-se a eles, agora que o medo da Hoste das Sombras desaparecera, e no dia seguinte subiram o Grande Rio, chegando a Minas Tirith quando a esperança já tinha abandonado todos os que lutavam na batalha do Pelennor; estes, ao verem uma grande esquadra dos corsários aproximar-se, sentiram um grande desalento, pensando que tudo estava perdido. Foi grande o contentamento ao verem que era Aragorn com um valoroso exército, e assim venceram esse ataque a Minas Tirith.